OPINIóN
Actualizado 30/11/2014
Miguel Nascimiento

No final da semana que passou a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO ? declarou o "Cante Alentejano" como Património Imaterial da Humanidade. Os portugueses encheram-se de orgulho com a distinção deste "canto da terra" que é uma das grandes evidências da forte ligação umbilical do trabalhador com a terra-mãe. Este "cante" é uma referência identitária do povo alentejano e de Portugal. É um canto colectivo, sem recurso a instrumentos, que incorpora música e poesia. O Alentejo, essa imensa seara de Portugal, é o berço desta grande referência cultural e campo de sementeira desta vitoriosa candidatura que foi considerada "exemplar" pelo comité de avaliação. O "cante", agora património da humanidade, abre uma nova porta de esperança para um território que há muito se habituou a conviver com as dificuldades dos tempos. O "cante" do Alentejo impressiona, entranha-se na alma e provoca um arrepio que nos estremece de forma intensa. Ninguém pode ficar indiferente a esta expressão coral polifónica, tradicionalmente cantada por homens (mas que foi abrindo espaço à participação das mulheres) que transmite uma energia forte e solidária.  A sonoridade, a coesão e o movimento ondulante dos grupos corais que interpretam o "cante" contribuem para a representação de uma imagem de força que nos deve inspirar a todos. Apesar das agruras que, ao longo dos tempos, bateram à porta dos alentejanos este povo conseguiu transmitir-nos sempre uma visão muito própria das coisas, evidenciando sabedoria, serenidade e, acima de tudo, uma bondade extraordinária! Os alentejanos são homens e mulheres de afectos! A sonoridade da sua expressão musical não podia deixar de traduzir esse sentimento. Ouvir o "cante" arrepia pela intensidadade. Não sei explicar bem a razão mas sempre associei os grupos do "Cante Alentejano" ao Natal, ao presépio e a um imenso céu estrelado que serve de cobertura à tranquilidade de uma paisagem a perder de vista, mas fria, que nos convoca para a lareira larga onde todos cabem e se podem aquecer. A cultura alentejana nas suas diversas formas de expressão representa de forma especial a palavra "todos". Há muito de comunhão e de colectivo nas coisas que este povo faz! Para mim o "cante" sempre anunciou o Natal sob um magnífico céu estrelado. Não há céu estrelado como o do Alentejo! Está mais perto de nós! Maís límpido, visível e tranquilo. Está mais disponível para a espiritualidade. Estamos quase no Natal e este  "cante" agora elevado a um patamar extraordinário  e mundial é uma espécie de prenda antecipada para os alentejanos e para todos os portugueses dispersos pelo mundo inteiro. Esta classificação será, sem dúvida, um grande contributo para aumentar a visibilidade de um território que é, entre muitas outras coisas, merecedor de todas as distinções e oportunidades de afirmação do seu potencial cutural e turístico. Porém a viagem começa agora! O que fazer? Parece que esta candidatura foi bem agarrada e, por isso, todos os que se envolveram nela estão de parabéns a começar pela Câmara Municipal de Serpa.
A evidência cultural da ligação homem-campo é hoje muito diferente. Mas é fundamental que esta expressão cultural tenha o seu espaço preservado. Até aqui o mérito é de todos os que, com muita paixão, se dedicaram à defesa do "cante" participando activamente nos grupos (existem cerca de 150) que mantiveram viva esta magnífica sonoridade, muitas vezes em condições muito difíceis e sem qualquer tipo de apoio. Agora os ventos soprarão a favor com as luzes da ribalta. Este é o tempo da celebração desta grande vitória. Mas, logo a seguir, é preciso dar corpo a uma candidatura que está muito bem conseguida e que, precisamente, deixa claro que o caminho deste projecto de sucesso passa sempre pelo envolvimento da comunidade e, fundamentalmente, pelo trabalho a realizar nas escolas com alunos e professores no sentido de agarrarem o futuro do "cante" no centro da sua autenticidade transmitida de geração em geração.


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