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A outra margem do limbo
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A outra margem do limbo

Actualizado 16/07/2017
Miguel Nascimiento

"Há livros que são no mundo como as almas penadas. Andam, andam, tropeçam através dos séculos pela obscuridade e pelo sofrimento, até que um dia apareça alguém que os tire do limbo do esquecimento. E isto, parecendo que não, dá esperança...", Miguel Torga

A outra margem do limbo | Imagen 1

O limbo é um estado de indefinição e de incerteza. É uma margem do caminho. Não está para lá nem para cá. Está ali, numa indiferença permanente. Não é nem deixa de ser. Nem avança, nem recua. Não entra nem sai. Mas observa! Observa com precisão e rigor. A outra margem do limbo permite, a quem ali se encontra, pensar fora da caixa e ver as coisas de outra perspectiva. O limbo é uma fronteira. Não é o purgatório nem o território dos purgados! É uma linha ténue que separa o sonho do céu e a realidade do inferno. Não quero entrar no caminho das interpretações bíblicas sobre os quatro espaços do além: o céu, o inferno, o purgatório e o limbo. Deixo isso para os teólogos. Até porque a esse nível já foi decretado o fim do limbo. Por isso, fico apenas na fronteira que separa o sonho da realidade e nesse território em que muitos se encontram por tempo indeterminado. O limbo é um sentimento partilhado por todos os viajantes que não encontram o seu lugar. Saem de um lugar para outro. Mas, não vão do ponto de partida para o destino. Simplesmente vagueiam. Andam por aí, por todos os lugares e, ao mesmo tempo, por lugar nenhum. Quem caminha no limbo sabe que não encontra chão firme. Tudo é instável e questionável. Algumas verdades absolutas caem como um castelo de cartas. A terra firme dá lugar a um espaço de areias movediças. As rochas de granito puro dão lugar a argilas fracas e moldáveis. Tudo se coloca em perspectiva e em permanente questionamento. Ali, naquele território das incertezas, não há um porto seguro e as bússolas perdem todo o magnetismo. Ali não há norte nem placas a indicar o caminho. Cada um está por si. Entregue a si. Não se espera a ajuda de ninguém. Todos sabem que ela não chega! O caminho não tem luz, mas também não tem trevas. Aquela margem, aquela borda do caminho é, acima de tudo, um espaço de transformação. É ali que se deixam as roupas usadas, gastas pelo tempo. A metamorfose acontece no limbo de forma lenta e gradual. A visão aumenta e tudo se vê melhor. A outra margem é um miradouro impressionante. Não é um lugar de sofrimento apesar de todos os abandonos. É um lugar de crescimento e de fortalecimento. A passagem pelo limbo é um tempo necessário. É um espaço onde se limam todas as arestas, onde se realiza o aperfeiçoamento. Quem vive na margem oposta ou navega pelo rio consegue ver as criaturas que vivem no limbo. Mas não gosta de olhar para lá, nem de pensar muito naquele território. Tem receio de fixar o olhar naquela geografia de imagens pouco nítidas. Segue o seu caminho, a sua actividade, como se nada fosse. Apenas não quer ir até lá para não ter que pensar e reflectir sobre o caminho percorrido. A vida segue sem se pensar muito nela. Cumpre-se. A outra margem é o território do esquecimento e é bom que as almas inquietas fiquem por lá para nos deixarem mais tranquilos na nossa viagem que desejamos sem sobressaltos. Mas, de vez em quando, há barcos que vão até lá, à outra margem, para levar e trazer passageiros. Não é muito frequente. Mas acontece. E os que vêm de lá fazem toda a diferença. Trazem luz ao caminho. Inquietam! Obrigam a reflectir sobre a causa das coisas. O limbo purifica e liberta. Miguel Torga dizia que "há livros que são no mundo como almas penadas. Andam, andam, tropeçam através dos séculos pela obscuridade e pelo sofrimento, até que um dia apareça alguém que os tire do limbo do esquecimento. E isto, parecendo que não, dá esperança?" E é precisamente nessa esperança que reside o pensamento daqueles que precisam de cumprir etapas entre os diversos ciclos do caminho. Mesmo que seja preciso mergulhar no limbo do esquecimento e da indiferença. O relógio do tempo não pára entre as duas margens do rio. Mas acontecem sempre coisas e metamorfoses profundas que algures se cruzarão na viagem conjunta. E o resultado é e será sempre surpreendente.

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